ESCRUTINANDO A ESPERANÇA: UMA REFLEXÃO SÓBRIA SOBRE A ESCATOLOGIA CRISTÃ

 


Resumo


Este artigo propõe uma abordagem teológica e equilibrada sobre a escatologia cristã, em contraste com visões sensacionalistas que têm se difundido amplamente em círculos populares. Com base na tradição reformada, analisamos as origens da escatologia, sua direção cristocêntrica e a viva esperança que ela oferece à Igreja. Através de uma leitura cuidadosa das Escrituras e da história da teologia, apontamos os perigos das interpretações alarmistas, reafirmando a centralidade de Cristo na consumação da história.

1. Introdução

A escatologia — do grego eschatos (último) e logos (discurso, estudo) — é o ramo da teologia que trata das “últimas coisas”: a volta de Cristo, o juízo final, a ressurreição dos mortos, o estado eterno, entre outros temas correlatos (HOEKEMA, 1999). Contudo, especialmente nos tempos modernos, este campo tem sido tomado por abordagens sensacionalistas, distantes da sobriedade bíblica e da esperança evangélica. Este artigo busca desmistificar tais distorções, resgatando a escatologia como fonte de consolação e orientação para a Igreja.

2. Origens da Escatologia Cristã

A escatologia não é uma doutrina tardia ou marginal no cristianismo. Ela é inerente à própria fé apostólica, presente nos ensinos de Jesus, nas cartas paulinas e no testemunho profético do Antigo Testamento (BEALE, 2019). Desde o Éden, a Bíblia aponta para uma consumação da história em que Deus julgará o mal e redimirá seu povo (cf. Gn 3.15; Is 11; Dn 7).

No Novo Testamento, essa esperança ganha forma na pessoa de Jesus Cristo, cuja primeira vinda inaugurou os “últimos dias” (Hb 1.1-2), e cuja segunda vinda trará o cumprimento definitivo de todas as promessas divinas (1Ts 4.13-18; Ap 21.1-4).

Como afirma Wright (2010), o cristianismo primitivo não separava a esperança escatológica da ressurreição de Cristo: o futuro já havia invadido o presente. A escatologia, portanto, é essencialmente cristocêntrica: não gira em torno de datas, símbolos ocultos ou teorias geopolíticas, mas do Reino de Deus que se manifestou em Cristo e será plenamente revelado na sua volta gloriosa.

3. O Problema do Sensacionalismo Escatológico

Nos últimos séculos — especialmente com o advento do pré-milenismo dispensacionalista — muitas interpretações escatológicas passaram a adotar uma leitura literalista e alarmista dos textos proféticos (HOEKEMA, 1999). Livros como Deixados para Trás, previsões sobre o "anticristo moderno" e vídeos apocalípticos alimentam o medo e a especulação, substituindo a esperança por pavor.

Segundo Beale (2019), esse tipo de escatologia sensacionalista desvia o foco do plano redentor de Deus para uma espécie de "teoria da conspiração sagrada", onde o drama político do mundo é interpretado à parte da cruz. Isso empobrece a teologia bíblica e enfraquece o discipulado.

Tais perspectivas compartilham características em comum:

  • Obcecação por datas e cronogramas proféticos;

  • Interpretação geopolítica das Escrituras, como se eventos do Oriente Médio fossem o centro da profecia bíblica;

  • Negligência do propósito pastoral da escatologia, substituindo a esperança por pavor;

  • Cristianismo de fuga, que espera ser tirado do mundo em vez de viver como sal e luz até a volta de Cristo.

4. Direcionamento Bíblico da Escatologia

A escatologia bíblica possui três eixos principais:

  1. Cristocentrismo – Jesus é o centro e o cumprimento de toda a esperança escatológica (Lc 24.27; Ap 1.1).

  2. Eclesiologia – A escatologia é dada à Igreja para consolo, perseverança e santificação (1Ts 4.18; 1Jo 3.3).

  3. Missão – O fim está vinculado à pregação do evangelho a todas as nações (Mt 24.14).

Para Calvino (2006), “a meditação da vida futura é uma das principais obrigações do cristão”. A Bíblia não nos convida a especular, mas a vigiar (Mt 24.42), esperar com paciência (Tg 5.7-8) e viver em santidade (2Pe 3.11-13). A verdadeira escatologia gera esperança ativa, não paralisia temerosa.

5. A Esperança Contida na Escatologia

A escatologia não é uma doutrina do medo, mas da esperança. Ela nos lembra que a história não está à deriva, mas sob o controle soberano de Deus (WRIGHT, 2010). Em Cristo, a vitória final está assegurada: a morte será vencida, Satanás será derrotado, e um novo céu e nova terra serão estabelecidos para sempre (Ap 21.1-5).

Como afirmou Agostinho em A Cidade de Deus, “a cidade de Deus está em marcha”. E como ecoou o apóstolo Paulo: “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1Co 15.19).

6. Considerações Finais

Resgatar a escatologia da caricatura sensacionalista é uma necessidade urgente. A Igreja precisa de uma escatologia que encoraje, santifique e impulsione à missão. Em vez de mapas proféticos mirabolantes, precisamos de corações firmes na esperança da glória. Em vez de teorias de conspiração, precisamos de uma fé confiante no Cordeiro que venceu (Ap 5.5).

Que nossa escatologia seja moldada não por manchetes apocalípticas, mas pela Escritura Sagrada, e que ao olharmos para o futuro, o façamos com os olhos fixos naquele que disse: “Eis que venho sem demora” (Ap 22.20).


Referências Bibliográficas 

BEALE, G. K. A Nova Criação e a Escatologia: Uma Teologia Bíblica do Fim. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.

CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

WRIGHT, N. T. Surpreendido pela Esperança: repensando o céu, a ressurreição e a missão da Igreja. Viçosa: Editora Ultimato, 2010.

Filipi dos Reis

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e atua como advogado desde 2017. Com sólida formação jurídica, Filipi também se dedica aos estudos teológicos, sendo pós-graduando em Teologia Reformada e em Apocalipse e Escatologia pelo Instituto Reformado de São Paulo. Sua trajetória é marcada pela integração entre fé e vocação, com especial interesse na escatologia à luz das Escrituras e da tradição reformada.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem