A Expectativa do Reino Messiânico no Antigo Testamento: Uma Abordagem Teológico-Bíblica à Luz da Escatologia Amilenista

 




Resumo

 

Este artigo examina a expectativa do Reino Messiânico no Antigo Testamento sob a ótica da escatologia amilenista, destacando a continuidade da promessa redentora de Deus desde o Éden até os profetas. O trabalho explora o conflito da serpente contra a linhagem messiânica e demonstra como as figuras do Antigo Testamento não puderam cumprir plenamente a promessa. Além disso, analisa-se o momento de vacância do trono de Davi e a espera do Rei eterno. A análise conta com o auxílio de autores reformados conservadores como Geerhardus Vos, Herman Ridderbos e Anthony Hoekema, que reforçam a leitura do Reino como realidade presente e consumada no retorno de Cristo.

Palavras-chave: Reino Messiânico; Escatologia Amilenista; Teologia Bíblica; Vacância Davídica; Conflito Escatológico.

1.     Introdução

 

A doutrina do Reino de Deus é central na teologia das Escrituras e se desenvolve desde o Gênesis até o Apocalipse.

No Antigo Testamento, a esperança messiânica aparece como resposta ao problema do pecado e da morte, e como promessa de restauração de todas as coisas. Contudo, essa promessa é ameaçada ao longo da história pela oposição da serpente, que busca frustrar o plano redentor de Deus.

A escatologia amilenista entende que o Reino foi inaugurado com a primeira vinda de Cristo e será plenamente revelado em sua segunda vinda (cf. Cl 1.13; Ap 11.15). Segundo Geerhardus Vos, “a revelação do Reino é o eixo em torno do qual gira toda a história da redenção” (Vos, 1954, p. 89).

2. A Promessa Messiânica e o Conflito com a Serpente

2.1 O Protoevangelho e o conflito escatológico

 

Gênesis 3.15 inaugura a promessa redentora: a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente. Desde então, toda a história bíblica se estrutura em torno do embate entre a linhagem da mulher e a da serpente, tema que se desdobra escatologicamente até o Apocalipse (cf. Ap 12.1–17). Meredith Kline observa que “a batalha iniciada no Éden continua por meio de cada tentativa satânica de impedir o nascimento do Messias” (Kline, 2000, p. 112).

2.2 A tentativa de impedir a linhagem messiânica

 

A serpente age sutilmente na tentativa de impedir que a promessa se cumpra. Vemos isso em: Caim mata Abel (Gn 4), mas Deus preserva a promessa em Sete (Gn 4.25). O pecado se alastra até Noé, mas ele é preservado como justo (Gn 6.8). Sara, Rebeca e Raquel são estéreis, mas Deus intervém (Gn 11.30; 25.21; 29.31). O Egito oprime o povo (Êx 1), e Hamã tenta destruí-lo (Et 3).

Segundo Hoekema (1979), “a história da redenção é, em grande parte, a história da preservação da linhagem messiânica contra os ataques satânicos” (p. 5).

3. A Descendência Prometida e Seus Limites Tipológicos

3.1 Figuras messiânicas imperfeitas

 

Diversos personagens veterotestamentários pareciam candidatos a cumprir a promessa, mas todos falharam: Sete – Apenas continuidade piedosa. Isaque – Filho da promessa, mas limitado. Moisés – Legislador, mas não entra na terra (Dt 34). Josué – Conquistador, mas não estabelece descanso (Hb 4.8). Saul, Davi, Salomão – Têm autoridade real, mas todos pecam e morrem. Ridderbos afirma que “todas essas figuras são apenas sombras e tipos, apontando para o verdadeiro Rei que viria” (1962, p. 90).

4. A Vacância do Reino Davídico e a Espera do Rei Eterno

4.1 O colapso do reino terreno

 

Após Salomão, o reino divide-se e declina rapidamente. O exílio babilônico (586 a.C.) marca o fim da monarquia davídica visível. Desde então, Israel vive sob dominação estrangeira. Não há mais rei no trono de Davi, o trono fica vazio, e a esperança messiânica assume contornos escatológicos e a se intensifica com os profetas.

4.2 O silêncio profético e a expectativa escatológica

 

Nos séculos seguintes, os profetas falam da vinda de um novo Rei, mas a concretização visível tarda. Esse intervalo, chamado por alguns de “vacância do trono”, representa a tensão escatológica entre o já prometido e o ainda não revelado.

Durante o período interbíblico, aguarda-se a vinda do Rei prometido. A ausência de um monarca é parte do plano divino. Segundo Vos (1954), “a ausência do reino visível não anula a fidelidade de Deus; ao contrário, prepara o palco para uma manifestação superior e eterna” (p. 320).

4.3 A chegada do Rei eterno

 

Jesus, ao nascer da linhagem de Davi (Lc 1.32-33), é identificado como o cumprimento da promessa. Ele inaugura o Reino não com exércitos, mas com a cruz (Jo 18.36). Seu Reino é espiritual, eterno e presente entre os crentes. Como declara o autor aos Hebreus: “o cetro do teu Reino é cetro de equidade” (Hb 1.8).

Cristo nasce como herdeiro do trono de Davi (Lc 1.32–33). Seu Reino não é deste mundo (Jo 18.36). Segundo Murray (1982), “Cristo reina agora, como Filho de Davi, cumprindo perfeitamente as promessas da aliança davídica” (vol. 2, p. 325).

5. As Características do Reino Messiânico

5.1 Presente e Espiritual

O Reino já está presente entre os homens (Lc 17.20-21), ainda que sua consumação seja futura. Essa tensão entre o “já” e o “ainda não” é central à escatologia bíblica. Vos chama isso de “a escatologia realizada”, isto é, o futuro irrompe no presente pela vinda de Cristo (1930, p. 28).

5.2 Inclusivo e Redentor

O Reino Messiânico não se restringe a Israel, mas alcança as nações (Is 2.2-4; Zc 14.9). É um Reino redentor, composto por regenerados, e não uma restauração nacional ou geográfica.

5.3 Justiça, Santidade e Juízo

O Messias reinará com justiça (Is 11.4-5). Os cidadãos do Reino são chamados à santidade (cf. 1Pe 1.15-16), e os inimigos serão julgados (Sl 2.9). O Reino é escatológico em sua santidade e definitivo em seu juízo.

6. Conclusão

 

A expectativa do Reino Messiânico no Antigo Testamento é inseparável do conflito espiritual iniciado no Éden. A promessa da descendência vitoriosa se cumpre em Cristo, o Rei eterno, que inaugura um Reino espiritual e universal. A escatologia amilenista reconhece que o Reino já está presente na Igreja, mas sua consumação virá com a volta gloriosa do Messias. A esperança profética, portanto, se concretiza na soberania de Cristo sobre todas as coisas.

“O Senhor estabeleceu o seu trono nos céus, e o seu Reino domina sobretudo”(Sl 103.19).


Referências Bibliográficas:

 

Hoekema, Anthony A. The Bible and the Future. Grand Rapids: Eerdmans, 1979.
Kline, Meredith G. Kingdom Prologue: Genesis Foundations for a Covenantal Worldview. South Hamilton: Gordon-Conwell Theological Seminary, 2000.
Murray, John. Collected Writings of John Murray, Vol. 2: Systematic Theology. Edinburgh: Banner of Truth, 1982.
Ridderbos, Herman. The Coming of the Kingdom. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing, 1962.
VOS, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testaments. Grand Rapids: Eerdmans, 1954.

VOS, Geerhardus. The Pauline Eschatology. Grand Rapids: Eerdmans, 1930

Filipi dos Reis

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e atua como advogado desde 2017. Com sólida formação jurídica, Filipi também se dedica aos estudos teológicos, sendo pós-graduando em Teologia Reformada e em Apocalipse e Escatologia pelo Instituto Reformado de São Paulo. Sua trajetória é marcada pela integração entre fé e vocação, com especial interesse na escatologia à luz das Escrituras e da tradição reformada.

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